BRASIL Dois anos após tragédia, Brumadinho ainda busca vítimas
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Dois anos após tragédia, Brumadinho ainda busca vítimas
Rompimento de barragem da Vale matou 270 pessoas, e 11 seguem desaparecidas. Ninguém foi punido, e familiares ainda aguardam reparação. "A impunidade e a omissão nos matam um pouco a cada dia", diz irmã de vítima.
Bombeiros buscam vítimas no dia seguinte ao rompimento da barragem em Brumadinho, em janeiro de 2019
Todos os dias são como 25 de janeiro de 2019 para Josiana de Sousa Resende. Foi quando, há dois anos, ela perdeu a irmã e o cunhado soterrados pelos rejeitos da barragem da mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, Minas Gerais.
Até hoje, ela espera que o corpo da irmã, Juliana Resende, seja localizado. "A gente ainda está preso naquele dia. Não teve o encontro do corpo. A gente fica na luta para que as buscas não parem, participa das reuniões quinzenais com os Bombeiros, visita as áreas semanalmente…É muita dor", diz Josiana.
Das 270 pessoas que morreram na tragédia, incluindo duas gestantes, 11 ainda não foram encontradas – e faz um ano que esse número não muda.
Depois de uma interrupção de meses devido à pandemia, as buscas no local são feitas atualmente por 40 oficiais. Ainda há um grande volume de rejeitos a ser revirado, 60% do total.
"A área já foi vistoriada de forma superficial em sua totalidade, mas há diferenças de profundidade. Há locais onde há 15 metros de profundidade de lama. Toda a área foi vistoriada até 3 metros de profundidade", detalha tenente Pedro Aihara.
"Dois anos de impunidade"
Juliana Resende, funcionária há 11 anos da Vale, trabalhava no escritório no dia do rompimento da barragem. O marido dela, Denis Augusto, também era empregado da mineradora. O casal deixou dois filhos, gêmeos, que tinham 10 meses à época. Desde então, os avós criam os bebês.
"A gente não consegue se conformar. São dois anos de impunidade", desabafa Josiana.
Quatro processos contra a Vale correm em segredo na Justiça de Minas Gerais. Existem ainda outros dois processos em andamento na Alemanha contra a empresa TÜV Süd, que atestou a estabilidade da barragem que rompeu.
Em 2020, o Ministério Público apresentou denúncia contra a Vale e a empresa alemã por homicídio doloso duplamente qualificado e por diversos crimes ambientais. Além das empresas, 16 pessoas ligadas às duas companhias também viraram réus.
Segundo os promotores, a Vale tinha conhecimento da situação crítica da barragem desde 2017. Já a TÜV Süd teria cedido à pressão da mineradora e atestado a estabilidade da estrutura em troca de outros contratos, segundo a acusação.
Ninguém foi preso ou punido até hoje.
"Não tem como reparar"
Natalia de Oliveira também aguarda notícias sobre o corpo da Irmã, Lecilda de Oliveira, que tinha mais de 30 anos de trabalho na mina. "A Vale pode fazer obras de reparação, limpar o rio, construir comunidades, mas a nossa vida não tem como ela reparar. Em menos de um minuto, ela matou 272 pessoas", diz Natália à DW Brasil.
As famílias consideram que foram 272 mortos pois contam os bebês que estavam nas barrigas das duas gestantes mortas na tragédia.
Representantes do Ministério Público Estadual e Federal, do governo de Minas Gerais e das Defensorias Públicas do estado e da União negociam com a mineradora um acordo de reparação pelos danos socioeconômicos. Ainda não houve consenso sobre a quantia que a Vale deve desembolsar, e o prazo para uma nova proposta foi estendido até 29 de janeiro.
"Impunidade, omissão e a falta de boa vontade da empresa matam os familiares um pouquinho a cada dia", diz Natália sobre a experiência de lidar com a Vale em rodadas de negociação.
À TÜV Süd, os familiares das vítimas também reservam muitas críticas. "A empresa nunca nos procurou, não nos pediu perdão por ter dado um laudo criminoso. Ela não entende o sofrimento que vivemos", dizem os membros da comissão de familiares.
"Se eu pudesse, eu colocaria outdoors em toda a Europa perguntando: TÜV Süd, você dorme bem? Pelas leis da Alemanha, vocês podem matar, dar laudo falso e acabar com a vida?", questiona Natália.
Procurada pela DW Brasil, a empresa respondeu por meio de nota. "Os pensamentos da TÜV SÜD continuam com as vítimas e suas famílias. No entanto, a TÜV SÜD está convencida de que não tem responsabilidade legal pelo rompimento da barragem de Brumadinho", diz.
A empresa alega ainda estar convencida "de que a declaração de estabilidade emitida pela subsidiária brasileira TÜV SÜD Bureau de Projetos e Consultoria Ltda junto com a operadora da mina, a Vale, cumpriu a legislação brasileira e as normas aplicáveis à época". "A TÜV SÜD, portanto, se defenderá contra as acusações alegadas", diz a nota.
Barragens em risco
As tragédias de Mariana, em 2015, e de Brumadinho, em 2019, disparam o alerta sobre a segurança das barragens no país. Segundo o último relatório da Agência Nacional de Mineração (ANM), 51 estruturas foram classificadas sob "risco alto": 47 delas estão em situação de emergência. A maioria, 42, fica no estado de Minas Gerais, e duas delas pertencem à Vale (Forquilha III, em Ouro Preto; e Sul Superior, em Barão dos Cocais).
"Isso é porque só as maiores estão sob os holofotes", comenta Carlos Barreira Martinez, professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei). "O que vai acontecer quando a mineração se esgotar no estado de Minas, em 30 ou 40 anos? Quem vai ficar com o passivo ambiental?", questiona.
Segundo a lei n. 14.066, de setembro de 2020, "o empreendedor deve manter o Plano de Segurança da Barragem atualizado e operacional até a desativação ou a descaracterização da estrutura". No entanto, há diversos casos de barragens que foram abandonadas, como a da Emicon Mineração e Terraplanagem Limitada, em Brumadinho, como mostrou reportagem da DW Brasil em 2019.
Memorial paralisado
O memorial planejado para homenagear as 270 vítimas da tragédia ainda não saiu do papel. Quando a tragédia completou um ano, uma cerimônia realizada nas dependências da Vale, perto da barragem que rompeu, lançou a pedra fundamental com a presença de familiares das vítimas, bombeiros e até o governador do estado, Romeu Zema.
No segundo aniversário do desastre, o lugar destinado ao memorial está tomado por mato alto, dizem os familiares. A pedra fundamental colocada no terreno para simbolizar o memorial, inclusive, foi roubada.
Procurada, a Vale não se manifestou especificamente sobre esse tema até o fechamento desta reportagem.
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