O que a Europa pode esperar de Biden?

 

O que a Europa pode esperar de Biden?

APÓS ANOS CONTURBADOS SOB TRUMP, RELAÇÕES ENTRE EUA E EUROPA DEVEM MELHORAR SOB NOVO PRESIDENTE AMERICANO, MAS NEM TUDO SERÁ DIFERENTE, CONSIDERAM ANALISTAS. A EUROPA DEVE SE TORNAR UM PARCEIRO MAIS ATIVO, APONTAM.

Com Biden no poder, Europa deve focar na cooperação transatlântica

As expectativas em torno do novo presidente dos EUA são enormes. Na Europa, o sentimento oscila entre a esperança de que as relações com Washington se normalizem e a inquietação sobre o que Joe Biden pode fazer em termos de política externa num país dividido – e o que isso significa para os europeus.

Para o ministro francês de Assuntos Europeus, Clément Beaune, não há dúvida: “A Europa deveria assumir mais responsabilidades”, afirma. Segundo ele, o conceito de autonomia estratégica não perderá a importância com o governo e de Biden e sua vice, Kamala Harris. “A Europa deve definir seus próprios valores e interesses. Não contra os Estados Unidos, é claro; devemos trabalhar juntos.”

Leia também:

Em todo o caso, Beaune espera que a cooperação em matéria de proteção climática, segurança e política comercial seja muito maior. “A parceria precisa de um novo começo”, sublinhou o ministro, considerado uma pessoa próxima do presidente francês, Emmanuel Macron.

Autonomia estratégica

Quando Macron cunhou o termo “autonomia estratégica” para as relações entre Europa e EUA, ele parecia estar se distanciando de Berlim e Varsóvia, entre outros. Ao explicar o conceito, Beaune afirma que nem a parceria nem a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) serão esquecidas. Os EUA, porém, “vão continuar a nos pedir para nos tornarmos mais autônomos”, diz. “Vão nos pedir que assumamos mais responsabilidades e que gastemos mais na defesa, por exemplo.”

Nesse contexto, o ministro francês também defende o muito criticado Acordo Abrangente de Investimentos UE-China (CAI, na sigla em inglês), cujas negociações foram concluídas no fim de 2020, após sete anos. “Seria estranho acreditar que a UE não teria o direito de assinar acordos por si própria”, diz Beaune. Não que o bloco se volte contra o novo presidente americano, ressalta, mas “a Europa deve saber o que quer e assumir responsabilidades em todos os aspectos”.

Mesmo com Biden no governo, Paris parece querer aderir à estratégia de maior independência europeia, seguindo a tradição francesa de manter um maior ceticismo em relação à aliança transatlântica do que o restante da Europa.

Europa como parte da solução

Os europeus deveriam rapidamente sinalizar o rompimento com o governo Trump, afirma Jana Puglieri, do Conselho de Relações Exteriores de Berlim. “Foram quatro anos difíceis. Estamos nos unindo novamente e recebemos o novo presidente de braços abertos.” Tal mensagem, segundo a analista política, deve ser acompanhada de um desejo de cooperação, o que também seria importante para Biden no quesito política interna: “Não somos vassalos e não podemos voltar no tempo, mas devemos mostrar a este governo que a Europa está empenhada no multilateralismo e quer assumir mais tarefas.”

Puglieri acredita que Biden está tão sobrecarregado com tarefas de política interna que seria bem-vindo se a Europa assumisse algumas questões, como a situação em Belarus. “Devemos ser parte da solução, e não do problema”, pontua Puglieri. Ela apoia a ideia de um certo grau de autonomia estratégica para os europeus, também para que se tornem melhores parceiros.

“Paris teme que as ambições dos europeus voltem a adormecer. Em Berlim, por sua vez, há incertezas sobre a vitória apertada de Biden e a consciência de que os EUA podem não ser próximos para sempre”, aponta. Como resultado, a Europa precisa definitivamente se tornar mais forte e deve ser mais ativa na tentativa de manter os EUA como parceiros, conclui a especialista.

Puglieri avalia ainda que, assim que Biden assumir a presidência, os europeus devem se concentrar primeiro nas “questões leves” e com resultados rápidos, tais como política climática, negociações com o Irã e o papel da Otan. “No meio do ano haverá uma cúpula da Otan na qual deveremos sinalizar uma ruptura e um novo conceito estratégico”, aponta.

A política comercial, por outro lado, continuará a ser extremamente difícil, segundo Puglieri, e deverá começar com pequenos passos. Já o acordo UE-China é visto com olhos críticos pela especialista em política: “Temos que resolver o mau começo com a política chinesa.”

Parceria transatlântica ressuscitada

Para o eurodeputado Reinhard Bütikofer, do Partido Verde, o acordo da UE com a China foi infeliz. “Deveríamos ter começado melhor”, afirma. Para ele, não se tratava de pedir a aprovação aos EUA, mas sim de ambas as partes trabalharem em conjunto nesta e em muitas outras questões.

Estrategicamente, disse ele, a abordagem conduzida pelos europeus na China não faz muito sentido, mas ainda há bastante tempo para colocar o assunto sobre a mesa. Afinal de contas, o tratado só entrará em vigor com a aprovação do Parlamento Europeu, e até lá, salienta, há muitas oportunidades de discussão.

Nesta questão, Bütikofer acredita que os europeus não conseguiram enviar um sinal importante para Washington, Pequim e o restante do mundo: “Agora há um novo jogo, e a parceria transatlântica será ressuscitada.”

Fora isso, o eurodeputado coloca a política climática em primeiro lugar, seguida pela política comercial e de segurança. Não podemos nos dar ao luxo de olhar apenas para um tópico, afirma. “Temos que mascar chiclete e seguir andando”, diz Bütikofer, usando a icônica expressão americana para multitasking.

O fim de um pesadelo?

Umas das principais mudanças que a equipe de Biden trará para a UE é o “fim do desprezo que Trump tinha pela Europa”, diz Judy Dempsey, da Carnegie Europe, acrescentando que o novo presidente entende os europeus e conhece bem a chanceler federal alemã, Angela Merkel.

Dempsey também acredita que a Europa terá mais desafios, sobretudo na questão da política de segurança e de defesa. E aqui, salienta, pode inclusive haver uma chance de relançar as negociações sobre o controle de armas nucleares.

Para além do eixo Europa-EUA, contudo, a relação transatlântica deve ser aberta a uma cooperação mais estreita com outras democracias. Do Canadá ao Japão, deverá ser possível chegar a acordos sobre estratégias comuns de segurança, defesa e comércio em relação à China, Índia e América Latina, considera Dempsey.

“A Europa vai hesitar neste ponto”, aposta a analista. Ela acredita, contudo, que com Washington e Bruxelas revitalizando acordos comerciais como o TTIP (Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento), o Ocidente pode avançar muito no estabelecimento de normas e valores comuns, bem como regras sobre transparência e investimento.

Segundo Dempsey, o pesadelo dos anos Trump só pode ser superado se se tentar entender o que mobiliza a direita alternativa e os populistas e como as mídias sociais podem ser regulamentadas. Para ela, os regimes autoritários visaram abalar a democracia por meio de ataques cibernéticos ou do financiamento de tais movimentos. “O governo Trump mostrou tanto a vulnerabilidade das instituições democráticas como sua força. Mas qual será o seu legado permanece uma questão em aberto.”

Fonte: Deutsche Welle

Postagem recebida do site Ambiente Brasil:

https://noticias.ambientebrasil.com.br/clipping/2021/01/20/166794-o-que-a-europa-pode-esperar-de-biden.html

Comentários