Pular para o conteúdo principal

GEOGRAFIA Biblioteca Brasiliana cria plataforma virtual Atlas dos Viajantes do Brasil

 

GEOGRAFIA

Biblioteca Brasiliana cria plataforma virtual Atlas dos Viajantes do Brasil

Projeto desenvolvido na Universidade de São Paulo facilita acesso a relatos de viagens de séculos passados

Seleção de viajantes buscou cobrir uma ampla área do território brasileiro

Reprodução

“Escolha um viajante.” Assim começa o convite para um passeio na interface da plataforma interativa Atlas dos Viajantes no Brasil, um projeto que abarca uma coleção histórica disponível na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da Universidade de São Paulo (USP). As viagens abrangem do Uruguai à Guiana Francesa, da costa nordestina do Brasil aos confins da Amazônia. Sobre a capital paulista, há descrições surpreendentes para os dias de hoje como esta do comerciante e mineralogista britânico John Mawe (1764-1829), datadas de outubro de 1807: “São Paulo, situada num agradável planalto, com cerca de duas milhas de extensão, é banhada, na base, por dois riachos, que, na estação das chuvas, a transformam em ilha; ligando-se ao planalto por um caminho estreito. Os riachos desembocam em largo e belo rio, o Tietê, que atravessa a cidade, numa milha de extensão, tomando a direção sudoeste”.

O Atlas dos Viajantes no Brasil foi apresentado ao público em um evento na Brasiliana em 13 de novembro por João Cardoso, curador da biblioteca, e pelo geógrafo Ian Rebelo Chaves, responsável pela elaboração dos mapas. Na ocasião, o público pode interagir com a plataforma e aprender sobre os viajantes incluídos. Segundo o curador, eles levaram em conta a diversidade em termos de nacionalidade, áreas visitadas e foco de interesse, entre outros aspectos, para definir os primeiros sete viajantes a figurar no atlas.

Em poucos cliques, na plataforma, surge o traçado percorrido pelos navegantes, entre brasileiros e estrangeiros. As narrativas estão presentes em livros, álbuns, atlas e manuscritos. Por meio deles, é possível conhecer aspectos da economia, da sociedade, da natureza e da política de séculos passados. O cotidiano da população, a rotina dos escravos, a maneira como nativos pescavam e a destreza ao se embrenhar na mata são detalhes reproduzidos nos textos selecionados do atlas.

O material produzido pelos viajantes foi selecionado e organizado de acordo com assuntos e temas pelo grupo de Cardoso. Em seguida, as informações foram usadas por Chaves para obter a localização citada por eles com base nos dados geográficos presente nos relatos. Essa parte foi importante para criar as narrativas cartográficas do caminho percorrido. Por último, desenvolveu-se mecanismos de visualização, busca, filtragem e comparação dos conteúdos.

A maioria dos trajetos passou por São PauloReprodução

Os viajantes
O acervo da Brasiliana tem relatos de viajantes desde o século XVI. Os primeiros selecionados – cujas narrativa se situam nos séculos XVIII e XIX – foram os naturalistas alemães Johann Baptist von Spix (1781-1826) e Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), o missionário metodista norte-americano Daniel Parish Kidder (1815-1891), o médico e explorador alemão Robert Christian Barthold Avé-Lallemant (1812-1884), o ouvidor e intendente-geral português Francisco Xavier Ribeiro Sampaio (1741-1812/14), o explorador e cientista francês Charles-Marie de la Condamine (1701-1774) e John Mawe, citado no início desta reportagem.

A formação e os interesses de cada um dos viajantes tiveram impacto na forma como decidiram explorar o Brasil. “Avé-Lallemant queria conhecer as colônias alemãs no sul do país”, explica o geógrafo. Chaves contou ainda que os naturalistas Spix e Martius fizeram o trajeto mais longo, por isso especialmente interessante. Esses elementos e peculiaridades fazem parte de 1.200 obras do acervo da Brasiliana que foram pesquisadas e serviram de fonte.

O curador João Cardoso destaca que a iniciativa visou unificar e divulgar o acesso ao acervo da biblioteca. Com isso, imaginou propor essa nova experiência para os pesquisadores, professores e interessados na história e na geografia brasileiras. O projeto surgiu em 2017 e ganhou corpo com a participação de Chaves, que passou a integrar a equipe em 2018.

Para dar continuidade ao projeto, o geógrafo ressalta que será necessário apoio financeiro e a colaboração de especialistas com o aporte de ideias e a sugestão de rumos que ampliem o acesso ao material histórico da biblioteca. “Tivemos nessa primeira fase o financiamento da USP e do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social]”, conta Chaves. A parte de programação da plataforma é feita por uma empresa terceirizada.

O Atlas dos Viajantes do Brasil pode ser consultado no site da Brasiliana. Também está disponível um tutorial para uso da plataforma. Com um vasto acervo de livros e manuscritos, a biblioteca reúne o acervo doado pelo bibliófilo José Mindlin (1914-2010) e sua mulher Guita (1916-2006), que se especializou em restaurar livros. A Brasiliana foi criada em 2005 e é aberta ao público desde 2013, no campus da USP, na Cidade Universitária, em São Paulo.

Atlas permite associar relatos a pontos no mapaReprodução

Trechos de relatos de três viajantes sobre São Paulo no século XIX

John Mawe, comerciante e mineralogista britânico, em outubro de 1807

Viagens ao interior do Brasil
“São Paulo, situada num agradável planalto, com cerca de duas milhas de extensão, é banhada, na base, por dois riachos, que, na estação das chuvas, a transformam em ilha; ligando-se ao planalto por um caminho estreito. Os riachos desembocam em largo e belo rio, o Tietê, que atravessa a cidade, numa milha de extensão, tomando a direção sudoeste. Sobre ele existem várias pontes, algumas de pedra, outras de madeira, construídas pelo último governador. As ruas de São Paulo, devido à sua altitude (cerca de cinquenta pés acima da planície), e à água, que quase a circunda, são, em geral, extraordinariamente limpas; pavimentadas com grés, cimentado com óxido de ferro, contendo grandes seixos de quartzo redondo, aproximando-se do conglomerado. Este pavimento é uma formação de aluvião, contendo ouro, de que se encontram muitas partículas em fendas e buracos, depois das chuvas pesadas, quando são diligentemente procuradas pelos pobres. (…)

(…) As moléstias endêmicas não se alastram mais aqui. A varíola, a princípio, e mesmo mais tarde, dizimou grande parte da população, mas seu progresso foi dominado pela introdução da vacina. Os médicos atendiam num grande hall, pertencente ao governador, onde ficavam à disposição do público, sendo a vacinação gratuita. Espera-se que a fé nesse preventivo se difunda pelo povo, incompetente para discutir méritos da controvérsia que tanto prejudicou o emprego da vacina na Europa. (…)”

Daniel Kidder, missionário norte-americano, sobre o bairro do Ipiranga, em 1839 Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Brasil

“Chegou finalmente o dia em que tínhamos de deixar São Paulo em companhia de diversos outros viajantes. Partimos à noite, com a intenção de pernoitar em São Bernardo. Distanciados dos companheiros, fizemos uma rápida digressão para tocar na fazenda de D. Gertrudes, no Ipiranga. Essa propriedade era uma das mais ricas e produtivas dessa senhora. Produzia pêssegos, maçãs e outras frutas comuns ao país, que, cultivadas tão perto da cidade, eram facilmente vendidas. Fabricavam também aí grande quantidade de garapa, o suco da cana de açúcar, simples, e em estado de fermentação parcial. Essa bebida é muito apreciada e usada nesta região do Brasil. Veem-se constantemente pelas ruas, mulheres com grandes potes de barro na cabeça, ou ao lado, quando sentadas, vendendo garapa. Apesar da notoriedade e produtividade dessa fazenda suas construções eram rústicas e as culturas estavam em completo desleixo, tal como nenhum português, feitor de escravos, toleraria.”

Robert Avé-Lallemant, médico alemão, em setembro de 1858
Viagem pelas províncias de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo

“Cheguei a São Paulo ao meio-dia. Com um bom animal pode-se fazer comodamente o percurso de Santos a São Paulo num dia e até muito facilmente, trocando-se a cavalgadura em casa do senhor Melo, no Rio Grande. Com a troca do animal pode-se concluir muito bem a pequena viagem em dez horas.”

“(…) Algumas ruas, um ou outro bairro bonitos e às vezes até magníficos; em alguns lugares, fileiras de casas assobradadas e, além disso, bom empedramento com calçadas, mas em geral ruas estreitas e a cidade absolutamente irregular.

As igrejas que vi são bonitas, algumas ornadas, no entanto nenhuma me causou grande impressão. A Faculdade de Direito dá uma boa impressão e parece-me o mais notável de todos os edifícios da cidade. (…)”

Postagem recebida do site da Revista Fapesp:

https://revistapesquisa.fapesp.br/biblioteca-brasiliana-cria-plataforma-virtual-atlas-dos-viajantes-do-brasil/

Comentários